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Alguns artistas de renome ousaram desafiar e alterar este status quo, por sinal considerado bastante perigoso pelo regime militar de 1960 e 1970. Com isso,  artistas populares, como Gilberto Gil e Caetano Veloso  foram exilados, por recorrer a duplo sentido em suas expressões artísticas, propagando  mensagens do orgulho negro. Já no Brasil, em 1977 a recepção do álbum "Refavela" de Gilberto Gil foi combatido pela crítica através da imprensa na época, alegando que Gil deixou de valorizar as raízes afro-brasileiras para cultivar raízes africanas, principalmente alinhadas a cultura afro-americana.  Seu apoio ao Movimento Black Rio custou altas críticas ao seu trabalho, mas trouxe importante autoestima para toda a comunidade negra brasileira no momento em que o Black Rio estava prestes a se tornar um dos movimentos culturais, sociais e políticos mais controversos dentro da história contemporânea do Brasil, a partir do Rio de Janeiro.

 

No entanto, enquanto vários artistas se exilaram – Gilberto Gil e Caetano Veloso foram para a Europa e se aventuraram pelo Rock and Roll, a maioria teve que permanecer no Brasil e a música  soul permeou suas criatividades musicais.  Esta nova expressão deixou uma marca bastante expressiva na cultura brasileira e continua até hoje.   Um dos momentos marcantes na década de 60 foi quando Wilson Simonal de Castro compôs com Ronaldo Boscolli a música "Tributo a Martin Luther King" que tem em seus versos pérolas como: " cada negro que for, mais um negro virá  / para lutar com sangue ou não / com uma canção também se luta irmão  / ouvi minha voz, luta por nós  /  luta negra demais, é lutar pela paz  / luta negra demais, para sermos iguais".. 

 

Tim Maia, o pai da Soul Music brasileira, foi deportado dos EUA em 1963 sob a acusação de posse de maconha e começou a gravar suas músicas inspirada na Soul Music em seu retorno ao Brasil.  Em 1970, Tony Tornado, até então um artista desconhecido da grande massa consagra-se no Maracanãzinho como vencedor o V Festival da Canção, patrocinado pela Rede Globo, com a música "BR3" dos compositores Tibério Gaspar e Antonio Adolfo. 

 

Amantes da música Soul e da cultura afro-americana, Tornado e Don Filó formavam uma dupla devastadora para os olhos atentos da ditadura, dos conservadores, da esquerda e até dos sambistas mal informados. 

Na época, Mestre Candeia comandava brilhantemente o Grêmio Recreativo de Arte e Cultura Negra e Escola de Samba Quilombo, reunindo grandes artistas como Paulinho da Vila, entre outros. Ele pensava diferente sobre a juventude que atuava no Soul e tinha um carinho especial pelo jovem produtor, Don Filó. 

 

Para o público em geral, Mestre Candeia era contra os Soulbrothers, liderados por Don Filó. Pura mentira!!!  Era um jogo de cena usado pelo velho mestre e o jovem marqueteiro para venderem seus discos da gravadora WEA (Warner/Elektra/Atlantic) onde ambos foram contratados a peso de ouro pelo big boss André Midani e o produtor musical Marco Mazzola .  Os LPs da equipe Soul Grand Prix lançados a partir de 1977 e o disco "Axé!" lançado em 1978 pela WEA/Atlantic renderam bons frutos na mídia e de venda.

 

O samba deixou de ser a referência para juventude negra. De fato, os jovens não deixaram  de curtir suas tradições, apenas já não mais representava exclusivamente a identidade negra.  O Movimento Black Rio era um repúdio direto contra a crescente presença da classe média branca em escolas tradicionais de samba. Historicamente, as escolas existiam especialmente para os negros de baixa renda. Além disso, muitos negros não gostaram da apropriação do ritmo Samba como um símbolo nacionalista pelos ditadores militares no poder na época.

 

 

A origem do Movimento Black Rio começou com os DJs de música soul organizados em equipes, nos clubes dos subúrbios mais pobres do Rio de Janeiro. Estas festas realizadas nos finais de semana atraíam principalmente adolescentes afro-brasileiros e jovens adultos.  A referência musical chegava pelo rádio embalado pelo radialista e discotecário Big Boy com seus programas psicodélicos na antiga Rádio Mundial AM 860 e os pontuais Baile da Pesada ao lado do performático, criativo e e inquieto Ademir Lemos.

 

A significativa mudança de cena aconteceu quando Don Filó passou a  produzir e realizar  as Festas Soul no Renascença Clube, no final dos anos 60 com um caráter mais politizado absorvido nas festas black do pioneiro DJ Mister Funk Santos no saudoso clube Astória no bairro do Catumbi. Foi ele que realizou para uma grande massa os primeiros bailes só com a massa black.  O Baile da Pesada de Big Boy tocava black music e outros gêneros musicais.

 

O Renascença Clube foi fundado em 1951 visando ascensão social dos afro-brasileiros à classe média – eram  engenheiros, médicos, advogados e donas de casa, todos impedidos de participar do convívio social dos clubes da  comunidade branca no Rio de Janeiro. O preconceito racial era flagrante, refletida na não inclusão de negros em seus quadros de associados.

 

Em 1972, a proposta de Don Filó, Walney de Almeida, Haroldo de Oliveira, Maneca, Baiano e todo o grupo foi oferecer uma opção de lazer para os jovens negros e, finalmente, convenceu os sócios proprietários de clube a promover uma nova imagem, adequada aos anseios da juventude. O objetivo central era construir uma imagem tão distante quanto possível do estereótipo tradicional que associava negros a "marginalidade", ao samba, com as misses negras sempre com a imagem atrelada a de “mulatas gostosas”, identidade depreciativa aos olhos da sociedade branca.

 

A transformação do perfil tradicional do Renascença trouxe um novo perfil de frequentadores, membros, e ampliou a receita ao  Clube.  Na época, os organizadores das Festas Soul investiam fortemente em equipamentos de som e em propaganda. Dom Filó e o Renascença  promoveram uma festa especial, chamada "Noite do Shaft", onde toda a identidade visual foi  criada, com base no estilo afro-americano. Slides fotográficos eram projetados com artistas negros de filmes afro-americanos e do público que frequentava a festa. O resultado foi surpreendente, criando um clima de autoestima jamais visto entre milhares de pessoas que lotavam as domingueiras no clube.

 

O Soul no Renascença Clube revolucionou a negritude, criando nova identidade aumentando a autoestima. A excelência musical atraia a grande maioria da juventude negra de toda a parte do Rio de Janeiro.

 

A característica musical tinha o comando de um DJ branco e judeu chamado Luiz Stelzer, mais tarde conhecido por Luizinho Disquejóquei Soul e os primos Nirto, Luizão e Don Filó comandavam a festa que se tornaria referência no Movimento Black Rio.  Na pista reuniam-se excelentes dançarinos –  Grupo Angola Soul, formado por jovens da comunidades do entorno do clube, entre eles Birão, Garim, Nadinho, Chevette, Renaud, Corcel, Bethinha, Salvador, Joinha, Ligeirinho, Bêbado, Mario SantClair, entre outros.   O grande sucesso deveu-se às articulações de vários jovens sócios do clube como Walney de Almeida, Edson Baiano, Maneca, Paulinho, Biriguda, Paulinho, Adilson Gato, Zé Carlos e Gaúcho e artistas como os saudosos atores Haroldo de Oliveira, Geraldo Rosa, Paulão, Marcos Vinícius, Cidinho.  Sempre presentes: a atriz e cantora Zezé Motta, a manequim Veluma, o percussionista Chaplin, a cabeleireira Idalice Moreira Bastos, a Daí, Carlos Alberto Medeiros, Paulo Roberto – estes últimos atraíam a corrente intelectual que se fortalecia naquele momento com a formação da primeira entidade do Movimento Negro, o Instituto de Pesquisas das Culturas Negras, o IPCN.

 

Devido ao sucesso no Renascença, o Movimento Black Rio começou a se cristalizar ainda mais. Ele floresceu entre os negros de baixa renda  que viviam nos subúrbios do Rio de Janeiro (Zona Norte).

 

O Movimento contribuiu expressiva e pacificamente para o combate ao racismo, dando um fim à forma servil que a cultura negra era explorada comercialmente pela classe dominante branca, a exemplo das escolas de samba, outrora dominada pelos negros e que até hoje encontra-se sob o domínio da sociedade branca.

 

O Soul não teve este caminho de domínio dos brancos.  Existiram alguns donos de equipes brancos que se atrelaram ao movimento por interesse comercial e não pela causa negra, defendida por Don Filó e Mr. Funk Santos. O convívio entre brancos e negros era harmonioso e respeitoso.  Por exemplo, Don Filó foi quem recrutou para DJ da Soul Grand Prix, o judeu branco que ele conheceu em uma boate na Zona Sul do Rio, o Luiz Stelzer, que acabou se tornando um dos maiores discotecários do Movimento Black Rio.

 

A Soul Music, crescia e era uma opção de lazer acessível ao público negro. Seus organizadores se esforçavam para torná-la cada vez mais atraente. Os DJs se empenhavam para exibir nas festas a maior quantidade de novos lançamentos da música Soul, muitas d vezes dificílimos de conseguir no mercado nacional, já  que a maioria dos discos de vinil chegava por difíceis vias de importação, tornando os vinis cada vez mais raros e caros.  Sempre que Don Filó conseguia ter em mãos um novo álbum, ele costumava copiar e arrancar o rótulo, de modo que os concorrentes não poderiam identificar títulos e nomes de artistas, tornando assim um vinil exclusivo da equipe Soul Grand Prix.

 

Durante o regime militar brasileiro"integração nacional" foi a ordem do dia,. Esse lema oficial tornou inconcebível que os afro-brasileiros tivessem uma identidade cultural distinta da própria origem tupiniquim. Filmes como Wattstax, Shaft, a música de James Brown, Rufus Thomas, Aretha Franklin, Barry White, Stevie Wonder e outros, não eram aceitáveis pelo sistema, uma vez que as autoridades consideravam que o estilo afro-americano deformava a juventude brasileira.

 

No entanto, para a nova geração de afro-brasileiros que viveram na década de 1970 como Don Filó, prontamente reconheceram o Goodfather of Soul, Mr. James Brown como o grande Papa. A identificação com a nova atitude de resistência, entre os jovens foi imediata, e não demorou muito para que esta juventude, começassem a agir e se vestir como seus "irmãos e irmãs" norte-americanos cantando slogans como " Black is Beautiful " e " I am Somebody"..














 

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Movimento Black Rio

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