

A popularidade do Soul cresceu muito, o que eventualmente impactou o desenvolvimento de novos artistas e um novo som. Uma nova geração de músicos que cresceu ouvindo uma diversidade de estilos musicais, conseguiu absorver a cultura Soul. Com isso, artistas locais da música Soul conseguiram cativar o público com seus próprios álbuns – Gerson King Combo, Tony Tornado e Tim Maia são exemplos, além da pioneira Banda Black Rio.
A partir desta linhagem musical, o primeiro grande nome que vem à mente é o pianista Dom Salvador e a sua banda, Abolição. O senso estético refinado de Salvador influenciou toda uma geração de artistas e bandas. Um desses músicos foi o saxofonista e flautista Oberdan Magalhães e ex-membro do Grupo Abolição, que acabaria por fundar ao lado de Don Filó a banda que se tornou a mais emblemática do período musical do Movimento: a Banda Black Rio.
Ela foi construída com a mesma forma da famosa banda americana Earth Wind and Fire. Dom Filó acabaria participando da produção do álbum da Banda Black Rio, tornando-se o primeiro produtor negro para a Warner Music no Brasil.
Para o desgosto total dos defensores puristas das tradições brasileiras, o Movimento Black Rio foi um sucesso estrondoso entre os jovens negros da periferia da cidade, da mesma forma que o rock influenciou a juventude branca na Zona Sul.
Nesse ponto, o estilo musical "Samba Soul" estimulou o interesse de gravadoras brasileiras, que de repente perceberam que os amantes da Soul Music poderia tornar-se um enorme mercado potencial. Inicialmente, eles lançaram LPs com compilações dos principais sucessos nas festas soul.
As mais famosas equipes de som, emprestaram seus nomes para os álbuns, em troca de uma parte da receita de vendas, tornando o negócio cada vez maior e mais rentável para ambos os lados.
O Movimento Black Rio também não também impactou fortemente a mídia à época do regime militar. Em 1976, no auge do movimento, a jornalista Lena Frias do Jornal do Brasil escreveu um artigo com o título sugestivo "Black Rio - o orgulho (importado) de ser negro no Brasil", onde ela revelou uma classe média que chamou de "uma cidade com cultura própria" que a sociedade "prefere ignorar ou minimizar Brasil como um todo".
A jornalista traçou um perfil exagerado e negativo da cultura do Movimento Soul, entrevistando DJs, organizadores, diretores de gravadoras e foliões. Excluiu os líderes do Movimento Soul, entre eles um dos seus mentores, Dom Filó. A jornalista demonstrou na matéria do Jornal do Brasil de 17 julho de 1976, o seu compromisso em denegrir o Movimento e assustar a sociedade , designando-o como perigo social. Nas quatro páginas dedicadas à matéria no Caderno B, encontravam-se fotos legendadas com os seguintes dizeres: "Um ar de Harlem nos muros de Brás de Pina (Zona Norte do Rio), cobertos de slogans (em inglês) e de avisos das alegres equipes do Soul Power.
Formulado como uma acusação, o teor da matéria caiu como uma bomba sobre o Movimento e trouxe repercussões negativas para o Movimento, propiciando uma completa repressão de todos os lados: dos militares, dos sambistas, da academia, de alguns setores do Movimento Negroa partir dos conservadores ligados à Direita, e até mesmo alguns integrantes da Esquerda. Confundidos com militantes comunistas, Dom Filó, Tony Tornado, Gerson King Combo, Mr. Paulão da equipe Black Power e outros organizadores do Movimento Black Rio foram conduzidos para interrogatórios em salas secretas do antigo DOPS - Departamento de Ordem e Política Social no Rio de Janeiro.
Atualmente, com a abertura política, é possível acompanhar os relatórios gerados em plena ditadura militar e entender como os militares no poder viam o Movimento Soul e seus organizadores.
No mundo do Samba, músicos tradicionais se tornaram os antagonistas da juventude negra, em artigos e entrevistas. Os jovens eram ridicularizados, tratados como "alienados" e acusados de virarem as costas à sua herança cultural afro-brasileira. Alguns desses críticos, incluindo o ator e produtor musical Jorge Coutinho e o compositor Candeia enxergavam o Movimento com preocupação especial. Ambos criticaram a super exploração da Soul Music, que, segundo eles, provocou os jovens e os fizeram rejeitar sua cultura nativa. Para os sambistas, a Soul Music importada era um insulto a contribuição negra para a cultura brasileira, embora os bailes lotados produziam uma receita extra com a locação das quadras das escolas de samba para a realização dos bailes de Soul.
Nos bastidores, Candeia e Dom Filó tinham um acordo comercial desde de 1976, e um pacto cultural que foi implementado em 1977 no II Encontro de Blocos Afros no Rio de Janeiro nas dependências do Grêmio Recreativo de Arte Negra E.S. Quilombo de Mestre Candeia.
No dia 18 de junho de 1977 com a presença massiva da galera do Movimento Soul, foi lançado o Projeto BR'AFRO, com a participação da equipe Soul Grand Prix apresentando o espetáculo " Ressurgir das Origens". Participaram do espetáculo os grupos Abolição-IPCN, CEBA (São Gonçalo), Granes Quilombo, Vanguarda (SGP), Veneno e Zambi (Cidade Alta), além das atrações como Carlos Dafé, Zezé Motta, Banda Black Rio e Bamba Moleque.
Intelectuais como Gilberto Freyre, autor do famoso clássico da antropologia do Brasil, a Casa Grande & Senzala, e sua Teoria da Democracia Racial, criticou o Movimento Soul através dos jornais. O Soul era visto como uma ameaça para a cultura brasileira que "cresceu plena e fraternalmente mulata (interracial)". Freyre escreveu muitos artigos em jornais e revistas de São Paulo e Pernambuco condenando o Movimento Soul brasileiro, que representava para ele reflexo do imperialismo norte-americano.
Linguagens semelhantes foram expressas por grupos de esquerda antagônicos, que entendiam o movimento como uma origem importada dos Estados Unidos, vendo a música Soul como uma espécie de inimigo da soberania nacional. Era um momento em que muitos formadores de opinião percebiam a sociedade apenas através das lentes das luta-de-classes socialistas, tornando-se impossível para eles tomarem uma posição em relação à questão racial. Eles acreditavam que se o Brasil discutisse a discriminação racial naquele momento, deixaria de existir o socialismo como poder no país. Ou seja, tornava-se inútil discutir as questões negras, sem relacioná-las com a questão de luta de classes.
Sob fogo cerrado de críticas vindas de todos os lados, o movimento começou a diminuir vertiginosamente, acabando por desaparecer da mídia e "moda black". As festas Soul sobreviveram por algum tempo, na periferia da cidade na Zona Norte. Hoje, o legado vive com outras vertentes da velha Black Music, em grande escala através do Hip Hop, do Funk Nacional e do Charme. O movimento musical deixou de ter um tom de consciência racial para tornar-se puramente lazer.
Um dos estilos, o "funk nacional" não tem nenhuma semelhança com o seu homólogo (funky) da década de 1970 dos EUA. Estes "bailes funk" no Rio se caracterizaram num determinado momento pela violência entre os seus participantes e pela sensualidade negativa das mulheres na sua maioria da comunidade negra. Uma vez mais, a sociedade dominante relegou uma manifestação cultural negra a estereótipos negativos da cultura afro-americana, que outrora contaminou parte da juventude brasileira inserida no Movimento Soul.
A Soul Music, por sua vez, até hoje se sustenta em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, com novos e velhos grupos que levam a frente a bandeira da Soul Music. O que é extremamente interessante nesses eventos é a mistura de velha e nova escola, reunindo os aficionados em total harmonia.
O Movimento Black Rio gerou um grande número de vendas de discos e impactou significativamente o cenário musical do Brasil. O seu legado nos encoraja a dizer bem alto "Eu sou negro e tenho orgulho". Hoje esse legado continua vivo no samba soul, samba funk, samba reggae e samba hip-hop.
Observando a história do Movimento Black Rio, um dos principais resultados, foi trazer à luz a questão da desigualdade racial no Brasil - em um momento em que a simples menção ao racismo gerava controvérsia. Mas quem acompanha o Movimento desde o início tem consciência que, através da música, gerou-se um legado fascinante, percebido na ascensão social e na elevação da autoestima da comunidade afro-brasileira. Afinal!! Com uma canção também se luta irmão!!
(Resumo do texto de livro em fase produção)
Asfilófio de Oliveira Filho (Filó Filho)
13.10.2013